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Agricultor familiar do Maranhão armazena sementes crioulas na areia para conservar a qualidade

  • Foto do escritor: acesabacabal
    acesabacabal
  • há 5 horas
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Antônio Domingos usa técnica ancestral que aprendeu com a mãe. Ação mantém a temperatura ideal e impede o ataque de pragas.


Reportagem de Franci Monteles, com fotos, imagens e edição de vídeo de Ingrid Barros. Produção de Rogério Albuquerque, edição de texto por Daniel Nardin, Nara Bandeira e revisão de Rodolfo Rabelo. Esta série especial do Amazônia Vox foi viabilizada em parceria com o Instituto Bem da Amazônia com o apoio da Fundação Avina e do WWF-Brasil, através do programa Vozes pela Ação Climática Justa.



Na parábola do beija-flor que carrega água no bico para apagar o incêndio na floresta enquanto os outros animais fogem, o agricultor familiar Antônio Domingos é comparado à pequena ave na tarefa de guardião de sementes crioulas no Maranhão: “Estou fazendo a minha parte”.


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Adepto de práticas agroecológicas e de viver em harmonia com a natureza, o agricultor preserva uma pequena área de floresta nativa na propriedade de 121 hectares, no município de Alto Alegre, localizado em uma área de transição entre os biomas cerrado e a pré-Amazônia brasileira, distante 215 km da capital São Luís. A floresta é considerada um tesouro à parte que preserva com carinho, na presença de árvores gigantes e de animais como jacú, paca, cutia, veado, gato do mato, raposa e os pássaros. 


A outra preciosidade são as sementes crioulas, armazenadas por meio de uma técnica ancestral que aprendeu com a mãe. O trabalho consiste em guardá-las em recipientes com areia, o que ajuda a conservar a qualidade das sementes, pois mantém a temperatura ideal, impede o ataque de pragas e não estraga. Ao contrário da armazenagem em garrafas PET ou latões, que aquecem e geram umidade. Antônio armazena, por ano, até 170 quilos de sementes de milho e de feijão, principalmente.


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“Aprendi com minha mãe e ela aprendeu com a mãe dela. Eu era criança e via ela fazer assim, fui crescendo e vi a importância. A semente fica conservada”, conta o agricultor que afirma já ter perdido o produto quando guardava em garrafas PET. Na hora de plantar, basta apenas utilizar uma peneira para separar a areia das sementes. 


Com orgulho, Antônio Domingos exibe seu banco de sementes com dezenas de espécies diferentes, todas livres de produtos químicos. As sementes crioulas, conforme afirma, são mais saudáveis, saborosas e podem ser reutilizadas nos anos seguintes. Por outro lado, a transgênica só dá uma vez. 


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No entanto, é crescente a preferência de muitos produtores rurais no Maranhão por sementes transgênicas e agrotóxicos, em detrimento das sementes crioulas. Essa prática, embora possa simplificar o manejo do terreno, gera uma dependência de insumos externos, compromete a saúde do solo e dos consumidores, e leva à perda da biodiversidade agrícola e dos conhecimentos ancestrais de conservação de sementes.


Além disso, a monocultura e o uso intensivo de químicos contribuem para a degradação ambiental e a vulnerabilidade dos sistemas alimentares, representando um desafio para a segurança e soberania alimentar das comunidades.


Na roça do agricultor familiar é cultivado arroz, milho, mandioca, feijão, fava, amendoim, melão, melancia, abóbora, tomate cereja, gergelim e outros. Na época de colheita, entre julho e agosto, ele guarda uma parte da produção para sementes, outra para o consumo da família e alimentação da pequena criação de aves e suínos. Alguns produtos são vendidos em feiras de agricultura familiar no município. 


Direitos essenciais no campo da agroecologia e segurança alimentar 


Como forma de disseminar esse trabalho, o agricultor também troca e empresta sementes em feiras e encontros promovidos pela Associação Comunitária de Educação em Saúde e Agricultura (Acesa), organização de agricultores e agricultoras familiares que atua na região do Mearim, da qual ele é sócio. “A gente faz o empréstimo da semente e depois pegamos ela de volta. A troca também é muito comum, eu arrumo o feijão e a outra pessoa me repassa o milho”, detalha Antônio Domingos.


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A troca e empréstimo de sementes crioulas entre os agricultores familiares é muito comum na região. A Acesa tem na sede, que fica em Bacabal, região central do Maranhão, um banco de sementes para incentivar também a prática da cooperação entre os produtores. 


De acordo com o coordenador executivo da Associação, Raimundo Alves, o cuidado com as sementes crioulas, uma das ações discutidas pela Acesa, é primordial para garantir alimento saudável, segurança alimentar e, acima de tudo, a soberania no processo produtivo de escolha da forma como e quanto plantar. O assunto também é discutido com a juventude, pois é quem conduzirá o trabalho de revitalização deste processo.


“Entendemos que não existe soberania alimentar sem passar pelo cuidado com as sementes crioulas”, afirma Raimundo Alves, ao destacar também o trabalho de sensibilização e orientação, embora os agricultores e agricultoras já tenham essa prática passada de geração em geração.


Com 39 anos de atuação no Mearim, a organização incentiva a agroecologia e a produção de alimentos sustentáveis em respeito aos recursos naturais, com foco na autonomia e soberania alimentar. A ação integra algumas das iniciativas da Coalizão Agroecologia para Proteção das Florestas da Amazônia.


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Apesar de todo amplo trabalho de conscientização da Acesa e os esforços de Antônio Domingos, ele lamenta que muitos produtores não usam sementes crioulas no Maranhão em razão do trabalho e cuidados extras com a limpeza do terreno. Segundo ele, muitos preferem utilizar sementes transgênicas e agrotóxico para matar as pragas e ervas daninhas, mesmo com alertas em campanhas do quão esta combinação é prejudicial à saúde.  


Mas, se depender das atitudes de pequenos beija-flores e guardiões da natureza, como Antônio Domingos, as sementes crioulas vão continuar a germinar nos campos do Maranhão. “Eu amo a via do campo e pra mim é a maior satisfação quando vejo uma semente crioula. Semente é vida. A gente nasce de uma semente e eu respeito muito uma semente”, conclui.


Resumo da Solução


Problema Muitos agricultores no Maranhão estão optando por sementes transgênicas e agrotóxicos, o que simplifica o trabalho, mas gera dependência de insumos externos, prejudica a saúde do solo e das pessoas, e causa a perda de biodiversidade agrícola e conhecimentos tradicionais. Essa prática contribui para a degradação ambiental e fragiliza a segurança alimentar.


Resposta A solução é demonstrada por Antônio Domingos, um agricultor que preserva sementes crioulas com uma técnica ancestral de armazenamento em areia, cultivando alimentos de forma agroecológica e mantendo uma floresta nativa. A Associação Comunitária de Educação em Saúde e Agricultura (Acesa) apoia esse trabalho, incentivando a troca de sementes crioulas e promovendo a agroecologia para fortalecer a segurança e soberania alimentar, envolvendo inclusive a juventude.


Por que isso é uma solução climática? Essa iniciativa é uma solução climática eficaz porque promove a conservação da biodiversidade agrícola, a proteção do meio ambiente e a valorização dos conhecimentos ancestrais. Ao preservar sementes crioulas e promover práticas agroecológicas, os agricultores familiares estão contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas e a adaptação às condições ambientais, além de garantir a segurança e soberania alimentar das comunidades.


 
 
 

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