Reinaldo e Elisângela, agricultores familiares do Assentamento Monte Cristo/Marmorana, em São Luís Gonzaga (MA), são acompanhados pela ACESA e transformaram sua propriedade com práticas agroecológicas. Com o apoio do projeto ARCA, do ISPN, a família fortaleceu sua produção sustentável, mostrando como a agroecologia pode regenerar o meio ambiente e melhorar a vida no campo.
Confira a seguir a matéria publicada pelo ISPN, que destaca esse caminho de transformação no Médio Mearim.
Assentados da reforma agrária, o casal de agricultores Reinaldo Soares Furtado e Elisângela de Sousa Furtado trabalham há 10 anos na terra com base nos princípios da agroecologia.
Com práticas agroecológicas e o desenvolvimento de agrofloresta, casal de agricultores familiares recupera paisagem com o cultivo de frutas e hortaliças em modelo sustentável
Há 10 anos, a paisagem degradada em uma propriedade familiar no Projeto de Assentamento Monte Cristo/Marmorana, no povoado Centro da Josina, começou a ser transformada pela agroecologia. Localizada na zona rural de São Luís Gonzaga, município a cerca de 250 km da capital São Luís (MA), a propriedade, fruto da luta por reforma agrária, ocupa uma área de 11 hectares e é cuidada pelo casal de agricultores familiares Reinaldo Soares Furtado e Elisângela de Sousa Furtado, com foco na agricultura sustentável.
“Mudamos o nosso sistema, com a transição do cultivo convencional para a agroecologia. Hoje, dentro da nossa área, temos muitas [árvores] frutíferas e fizemos essa diversificação de produtos pensando não apenas na gente, pois os animais também se alimentam. Quando implantamos algo nessa terra, sempre pensamos que não seremos apenas nós os beneficiados por aquele alimento, essa é nossa lógica de trabalho”, explica o agricultor Reinaldo.
O modelo de agricultura adotado pela família se baseia no princípio de restaurar áreas degradas com sistemas agrícolas. O casal busca regenerar a saúde do solo, promover a biodiversidade e melhorar o ciclo da água, ao mesmo tempo em que garante segurança alimentar e gera renda. A prática da família mostra como a restauração da paisagem e a implementação da agrofloresta podem reverter a degradação ambiental e criar um sistema produtivo e sustentável.
Diferente dos sistemas agrícolas intensivos, que esgotam recursos naturais em busca de ganhos rápidos, a agroecologia integra conceitos ecológicos na produção de alimentos. Ao valorizar os saberes tradicionais e o manejo ambiental responsável, equilibra a segurança alimentar com a conservação da biodiversidade.
Essas mudanças no modo de pensar o trabalho na terra e as práticas de cultivo, com a incorporação da necessidade da conservação, tornaram a terra produtiva e enriqueceram a paisagem. Na propriedade tem produção de hortaliças, criação de aves, peixes e um sistema agroflorestal (SAF), com produção de frutíferas e criação de abelhas. Uma grande variedade de animais silvestres buscam refúgio no local, pela diversidade de árvores e plantas ali encontradas.
Reinaldo Soares Furtado realizando o manejo na área de agrofloresta. Foto: Ariel Rocha/Acervo ISPN
Banana, caju, goiaba, abacaxi, açaí, mutamba, jaca, lima, coco babaçu, ingá, acerola, manga e cacau. Essas são algumas das frutíferas cultivadas que atraem animais como tatu, capivara, veado, bicho-preguiça, guaxinim, macaco, peba, juriti, lambu, siricora, jaçanã, rolinha, inhuma e outros. A metade dessas frutas e também das 50% de aves e verduras é para consumo próprio, o restante para comercialização.
Segundo Elisângela, que é quebradeira de coco babaçu e artesã do grupo de mulheres Josina’s de Fibra, além de agricultora familiar, a melhor parte do trabalho é se sentir bem com a forma de cultivar na terra. Tudo é feito de maneira natural, sem queimadas para o preparo do solo e sem o uso de agrotóxicos. “O adubo é natural e apenas roçamos, não usamos veneno. A gente se sente muito bem quando produz o nosso próprio alimento, quando sabemos o que estamos comendo e vendendo para os outros. A gente sabe o que plantou, sabe que é saudável, e que não tem veneno. Essa é a melhor parte”, declara.
O modelo agroecológico na área da família de Elisângela e Reinaldo não é regra na região. Na contramão do exemplo sustentável de Reinaldo e Elisângela, algumas propriedades circunvizinhas deram espaço para a pecuária de corte, desmatamento, uso de agrotóxicos e caça predatória. Mas o casal, que conta com o apoio dos filhos para o desenvolvimento das atividades produtivas, mostra na prática como é possível o equilíbrio entre o uso da terra e a conservação da natureza.
“No nosso trabalho, às vezes somos contestados pelo modelo que promovemos, fruto da falta de conhecimento. Mas, ao longo desses anos, a gente vem mostrando que conseguimos, sim, produzir dessa forma. Mostramos que trabalhar com esse consórcio entre preservação e produção de alimentos, de maneira sustentável, é viável. Quando protegemos e preservamos, estamos beneficiando até mesmo aqueles que não fazem isso”, argumenta Reinaldo.
Espalhar a agricultura regenerativa na agricultura familiar
O modelo de agricultura adotado pela família se soma à implantação gradativa de um sistema agroflorestal, forma de uso e ocupação do solo que associa árvores frutíferas e culturas agrícolas. Para contribuir com o SAF do casal, o programa ARCA – sigla para Agricultura Regenerativa para a Conservação da Amazônia, inspirada em Soluções Baseadas na Natureza (SbN), instalará uma Unidade Demonstrativa (UD), uma metodologia de extensão rural que demonstra o processo de implantação de agroflorestas junto a comunidades locais.
O programa ARCA pretende alcançar outros agricultores e agricultoras familiares da região maranhense Médio Mearim, onde São Luís Gonzaga está localizado, com o objetivo de levar as experiências regenerativas para outras propriedades que ainda não conhecem a fundo os SAFs.
“Queremos mostrar tudo que realizamos aqui e servir de exemplo, provar que é possível seguir no modelo agroecológico, que é o ideal para a conservação. Somos inspirados por outras pessoas que fazem esse tipo de trabalho, então também queremos servir de inspiração na região. Acreditamos no nosso trabalho e na agroecologia, e é esse o exemplo que queremos deixar”, explica Reinaldo sobre a parceria com o programa ARCA.
O programa ARCA é executado no Maranhão pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN). Na região da propriedade familiar de Reinaldo e Elisângela, o ISPN atua em parceria com a Associação Comunitária de Educação em Saúde e Agricultura (Acesa) para a implementação da UD. Já o programa é fruto do acordo de cooperação entre o Centro de Pesquisa Florestal Internacional e o Centro Internacional de Pesquisa Agroflorestal (CIFOR-ICRAF) e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID).
Juntamente com parceiros locais, o ISPN implementa quatro Unidades Demonstrativas de SAFs no Maranhão. No Médio Mearim, além da instalação de uma UD na propriedade de Reinaldo e Elisângela no Centro da Josina, em parceria com a Acesa, outra unidade está sendo implantada na comunidade Fala Cantando, no Projeto de Assentamento Bela Vista, no município de Bacabal, em parceria com a Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (Assema). Na região do Mosaico Gurupi/Vale do Rio Pindaré, outro SAF está sendo instalado na Casa Familiar Rural (CFR) de Zé Doca, assim como na CFR de Itapecuru-Mirim, na região do Vale do Itapecuru.
“Nosso trabalho é guiado pela necessidade de adotar práticas sustentáveis em resposta ao avanço do agronegócio e à degradação ambiental. Ao implementarmos Unidades Demonstrativas, como a da família em São Luís Gonzaga, mostramos na prática que é possível regenerar o solo e aumentar a produtividade, mas sempre respeitando os saberes tradicionais das comunidades onde atuamos. Queremos que essas experiências sirvam de inspiração e prova de que a agricultura regenerativa e a agroecologia podem transformar a realidade da agricultura familiar em diferentes territórios”, comenta a coordenadora do ARCA no Maranhão, Ana Tereza Ferreira
Curso
Como parte desse processo de difundir e levar a agricultura regenerativa orientada pela agroecologia entre agricultores familiares, o primeiro módulo do curso “Fundamentos e Ecologia dos Sistemas Agroflorestais” foi realizado pelo ISPN na sede da Acesa em Bacabal em outubro deste ano, com sócios e demais monitorados pela associação. A formação abordou os princípios ecológicos dos sistemas agroflorestais, bem como histórico e conceitos básicos, possibilitando também que as agricultoras e os agricultores familiares compartilhassem suas vivências.
Médio Mearim
Para o coordenador executivo da Acesa, Raimundo Alves, a parceria com o ISPN na execução do programa ARCA é algo necessário, diante do avanço do agronegócio sobre o território de agricultores familiares da região, com impactos diretos no bem-viver local. A Acesa foi criada em 2006, com foco na luta por direitos essenciais nos campos da agroecologia, da soberania e segurança alimentar e nutricional, educação contextualizada, saúde e políticas públicas.
“Com o desmatamento promovido no entorno das comunidades pelos grandes empreendimentos, as mudanças climáticas geradas pela degradação interferem diretamente no modo de vida local e modificam o calendário agrícola. Além disso, o alto índice de utilização de agrotóxicos é intensificado por esse avanço do agronegócio no Mearim, mas felizmente se observa a agroecologia ainda como uma das principais estratégias de algumas agricultoras e agricultores familiares no enfrentamento do sistema estabelecido pelo agronegócio”, comenta Raimundo Alves.
A Acesa fornece assessoria técnica para cerca de 120 famílias de agricultores e agricultoras familiares, com a metodologia de trabalho da agroecologia, seguindo a orientação de produção saudável e sustentável, em 12 municípios do Médio Mearim. A família de Reinaldo Soares Furtado e Elisângela de Sousa Furtado é uma das famílias apoiadas pela associação ao longo dos anos.
Texto por Ariel Rocha/Assessoria de Comunicação do ISPN
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